
3983/2024
Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região 53
Data da Disponibilização: Sexta-feira, 31 de Maio de 2024
estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços
facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito
da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por
pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua
estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por
grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para
reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do
trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento
econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica
teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se
percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele
propiciada ao público alvo objetivado - neste caso, se não
existissem motoristas e carros organizadamente postos à
disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos
dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho
têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo
mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte
de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado,
propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas
desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado
pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da
economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação
amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável
deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no
poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de
higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra
acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante
inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a
significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a
grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento
empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema
organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de
contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura
e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente,
é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se,
dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica
entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos
fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a
Súmula 126 do TST . Nesse exame, sem negligenciar a
complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o
eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação
jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo
Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações
fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria
complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A
propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser
empregatício o vínculo jurídico formado - regido pela Constituição
da Republica (art. 7º) e pela CLT, portanto - , desde que seja
incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a
alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não
absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral,
resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a
circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão
dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a
circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do
Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e
protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na
competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil,
desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido
incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da
Republica de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos
principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável
bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser
humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e
na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do
emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o
da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-
estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da
propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a
Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo,
nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e
democrática quanto a estruturada na relação de emprego.
Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo,
proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente:
Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º,
caput ; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts.
8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do
Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também
constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de
existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e
econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a
contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos
elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto
mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa
seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência,
possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de
prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como,
ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou
eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de
"pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de
pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por
empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos,
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