
3780/2023
Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região 23
Data da Disponibilização: Sexta-feira, 04 de Agosto de 2023
motorista estiver ativo no aplicativo, receberá propostas de corridas,
com valores já definidos pela empresa, inclusive, muitas vezes, com
descontos e promoções exclusivamente por ela concebidos e
concedidos, cabendo a ele, apenas, aceitar, ou não, a execução do
serviço.Aceitar ou recusar a corrida proposta, todavia, não é
decisão totalmente livre do motorista, pois sobre ela pesam
consequências que atingem diretamente as perspectivas de
lucratividade e continuidade do serviço. Embora não haja previsão
expressa nos termos de uso do aplicativo para motoristas, grande
parte dos depoimentos tomados como prova neste e em tantos
outros processos similares, inclusive o das pessoas ouvidas a rogo
da demandada, assim como informaçõesconstantes no próprio site
da demandada, revelam que as recusas de corridas são registradas
pelo aplicativo como dados aptos a, dependendo da frequência com
que ocorrem, gerar suspensão de corridas durante alguns minutos,
horas ou mesmo dias, impactando, também, no acesso do motorista
a campanhas e taxas diferenciadas.Além disso, a prestação do
serviço em si é submetida, de forma ampla e perene, à avaliação
pelos passageiros, o que também pode gerar suspensões e até
mesmo cancelamento pela empresa.O grau de precisão dos dados
controlados pelo aplicativo é de tal monta que, além de registrar a
velocidade média do motorista, identifica, computa e informa a
quantidade de "aceleração" e de "frenagens" que compõem o "estilo
de direção" desejado pelo sistema.Em verdade, nesse sofisticado
gerenciamento de corridas, por meio de aplicação informática que
está sempre em constante atualização, tudo o que o motorista faz
ou deixa de fazer enquanto está on line - dados que ingressam no
aplicativo seja pelo seu avançado sistema degeolocalização, seja
pelas avaliações dos usuários - gera algoritmos que influenciam, de
forma automática e contínua, a forma como as corridas vão sendo
distribuídas entre os motoristas e, por consequência, o padrão da
remuneração que lhes é paga, num verdadeiro e complexo sistema
de controle e punição em tempo real.Ademais, a empresa, por meio
de seu aplicativo, abertamente utilizatáticas de concessão de
bônus, aumento de preços, campanhas periódicas, entre outras,
para estimular que o motorista permaneça conectado (e, portanto,
sujeito às suas regras) o maior tempo possível, bem como para
aumentar a oferta de motoristas em determinado local e horário, ou
para fazer frente a demanda incrementada em razão de situações
específicas como eventos ou calamidades.Inserido nessa rede de
dados e manipulações (técnicas que podem se enquadrar no que se
tem denominado de "gamificação"), pouca liberdade sobra
efetivamente ao motorista, que se vê instigado a estar sempre on
line (mobilização total, que visa a dominar não apenas os corpos
dos trabalhadores, mas também seus espíritos, suas mentes), como
ocorre com os usuários de jogos virtuais, a fim de atingir e manter
padrões mais elevados de remuneração.Como se vê, a atuação da
demandada vai muito além de uma meraintermediação ou
aproximação entre quem pretende vender e quem pretende comprar
bens ou serviços, como acontece, por exemplo com outras
plataformas de economia compartilhada, como Mercado Livre e
Airbnb. Aqui, a dita "intermediadora" viabiliza esse encontro de
vontades, mas, também, define preços, estabelece padrões
mínimos, compromete-se com a qualidade do serviço prestado,
gerencia o binômio demanda/oferta, controla, fiscaliza e pune os
prestadores.Portanto, o objeto social da demandada não pode ser
considerado apenas intermediação, tampouco como a provisão de
tecnologia voltada a viabilizar essa intermediação. O aplicativo
desenvolvido e gerenciado pela reclamada é apenas a sua face
visível, o instrumento pelo qual ela viabiliza a forma inovadora de
comunicação entre as partes interessadas. Mas o empreendimento
não está contido na aplicação nem a ele se resume. Ao se imiscuir
e se ocupar com os mais variados aspectos do serviço a ser
prestado, a empresa inevitavelmente assume atividades e
finalidades próprias dasempresas de transporte de
passageiros.Nesse sentido, há importante precedente no Direito
Internacional. Com efeito, no ano de 2017, a Grande Seção do
Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) firmou oentendimento
de que as empresas de intermediação que se utilizam de aplicativos
para, mediante remuneração, aproximar motoristas e passageiros
não são empresas com atividade principal e final relacionada ao
ramo da informação, mas sim relativas ao "serviço no domínio de
transportes". Eis os exatos termos do acórdão:Por outro lado, a
sucinta descrição da dinâmica do empreendimento,conforme acima
narrado, nos revela a presença de todos os elementos
caracterizadores da relação de emprego.Com efeito, o motorista, ao
fazer o cadastro exclusivo e intransferível no aplicativo da
reclamada, vincula-se pessoalmente a ela, de modo que as corridas
são direcionadas a sua pessoa e devem ser por ele, e só por ele,
realizadas, não sendo permitido compartilhar ou transferir o
cadastro a terceiros.Sobre a não eventualidade, importa dizer que,
em nosso ordenamento jurídico-trabalhista, ao menos em regra, não
é o número de dias prestados que determina a existência, ounão,
da habitualidade, mas, sim, a presença de animus para a realização
de serviços de forma continuadae longeva. A exceção se encontra,
apenas, no caso dos empregados domésticos, por expressa
previsãolegal em contrário (Lei Complementar n.º 150, de
01.06.2015, art. 1º, caput).Nas demais situações, a prestação dos
serviços habituais deve sermensurada a partir da identificação da
intenção de prolongar a prestação de serviços, e não da
suafrequência.formal e direta acerca do número de horas ou de dias
trabalhados. Entretanto, isso,por si só, não é suficiente para afastar
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