
3766/2023
Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região 50
Data da Disponibilização: Segunda-feira, 17 de Julho de 2023
ativo no aplicativo, receberá propostas de entregas, com valores
definidos pelaempresa, de acordo com critérios dinâmicos, cabendo
a ele, apenas, aceitar, ou não, aexecução do serviço.Aceitar ou
recusar a corrida proposta, todavia, não é decisão totalmente livre
do entregador, pois sobre ela pesam consequências que atingem
diretamente as perspectivas de lucratividade e continuidade do
serviço.Nesse sentido, o próprio reclamante comprovou, através de
mensagem de whatsapp que revela a política de avaliação de nível
pelo ifood (ID.4a5a54c - pág. 37), a qual faz uma estratificação da
categoria do entregadorde acordo com diversos fatores, tais como
números de entregas, períodos de indisponibilidade (offline) etc, o
que deixaclara a ausência dessa livre vontade do trabalhador para
aceitar ou não entregas.Nesse mesmo sentido, a testemunha do
reclamante (depoimento emprestado) revelou que "os entregadores
que não logam nos horários de alta demanda ficam 'tipo
bloqueados', ficam sem receber chamadas; isso aconteceu com o
depoente várias vezes".Além disso, a prestação do serviço em si é
submetida, de forma ampla e perene, à avaliação pelos usuários.O
grau de precisão dos dados controlados pelo aplicativo é de tal
monta que há o total acompanhamento da localização dos
entregadorese tempos de entrega.Em verdade, nesse sofisticado
gerenciamento das entregas, por meio de aplicação informática que
está sempre em constante atualização, tudo o que o entregador faz
ou deixa de fazer enquanto está online- dados que ingressam no
aplicativo seja pelo seu avançado sistema de geolocalização, seja
pelas avaliações dos usuários - gera algoritmos que influenciam, de
forma automática e contínua, a forma como as entregasvão sendo
distribuídas entre os entregadores, em umverdadeiro e complexo
sistema de controle e punição em tempo real.Ademais, a empresa,
por meio de seu aplicativo, utiliza táticas de concessão de bônus,
progressão de score, com repercussão no número de chamadas de
entregas diárias e, consequentemente, direto impacto no
rendimento do trabalhador, para estimular que o
entregadorpermaneça conectado (e, portanto, sujeito às suas
regras) o maior tempo possível, bem como para aumentar a oferta
de entregadoresem determinado local e horário, ou para fazer frente
a demanda incrementada em razão de situações específicas como
eventos ou calamidades.Inserido nessa rede de dados e
manipulações (técnicas que podem se enquadrar no que se tem
denominado de "gamificação"), pouca liberdade sobra efetivamente
ao entregador, que se vê instigado a estar sempre online
(mobilização total, que visa a dominar não apenas os corpos dos
trabalhadores, mas também seus espíritos, suas mentes), como
ocorre com os usuários de jogos virtuais, a fim de atingir e manter
padrões mais elevados de remuneração.Como se vê, a atuação da
reclamada vai muito além de uma mera intermediação ou
aproximação entre quem pretende vender e quem pretende comprar
alimentos , como acontece, por exemplo com outras plataformas de
economia compartilhada, como Mercado Livre e Airbnb. Aqui, a dita
"intermediadora" viabiliza esse encontro de vontades,mas, também,
define preços, estabelece padrões mínimos, compromete-se com a
qualidadedo serviço prestado, controla, fiscaliza e pune os
prestadores.Portanto, o objeto social da reclamada não pode ser
consideradoapenas intermediação, tampouco como a provisão de
tecnologia voltada a viabilizar essaintermediação. O aplicativo
desenvolvido e gerenciado pela reclamada é apenas a sua
facevisível, o instrumento pelo qual ela viabiliza a forma inovadora
de comunicação entre as partesinteressadas. Mas o
empreendimento não está contido na aplicação nem a ele se
resume. Aose imiscuir e se ocupar com os mais variados aspectos
do serviço a ser prestado, a empresa inevitavelmente assume
atividades e finalidades próprias das empresas de entrega.A sucinta
descrição da dinâmica do empreendimento, conforme acima
narrado, nos revela a presença de todos os elementos
caracterizadores da relação de emprego.Com efeito, o entregador,
ao fazer o cadastro pessoalno aplicativo da reclamada, vincula-se
com pessoalidade, de modo que as entregassão direcionadas a sua
pessoa e devem ser por ele, e só por ele, realizadas, não sendo
permitido compartilhar ou transferir o cadastro a terceiros.Sobre a
não eventualidade, importa dizer que, em nossoordenamento
jurídico-trabalhista, ao menos em regra, não é o número de dias
prestados quedetermina a existência, ou não, da habitualidade,
mas, sim, a presença de animuspara arealização de serviços de
forma continuada e longeva. A exceção se encontra, apenas,
nocaso dos empregados domésticos, por expressa previsão legal
em contrário (Lei Complementar n.º 150, de 01.06.2015, art. 1º,
caput).Nas demais situações, a prestação dos serviços habituais
deve ser mensurada a partir da identificação da intenção de
prolongar a prestação de serviços, e não da sua frequência.(…)No
caso dos entregadores das plataformas digitais, é notório que não
existe uma exigência formal e direta acerca do número de horas ou
de dias trabalhados.Entretanto, isso, por si só, não é suficiente para
afastar a característica da não eventualidade na prestação do
serviço, dada a potencialidade do labor. A circunstância de o
entregador se inserir na atividade econômica típica e predominante
dos aplicativos de entrega gera a presunção da não eventualidade
na prestação do serviço, independentemente da frequência com
que ele é realizado.Além do mais, como visto acima, a forma como
a prestação de serviço é engendrada por meio do aplicativo de
entregaimpele os entregadoresa buscarem laborar de forma
ininterrupta, a fim de conseguirem ganhos razoáveis.No caso dos
autos, restou provada a não eventualidade, mediante a
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