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13 de maio: brasileiros ainda são vítimas de trabalho escravo mesmo 134 anos após abolição

Trabalho análogo à escravidão tem grande incidência no campo, mas também acontece muito no ambiente doméstico e urbano
publicado: 13/05/2022 14h56 última modificação: 16/05/2022 09h50

Em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea institucionalizou o fim da escravidão no Brasil, libertando milhões de escravizados, maioria absoluta negra. À parte das discussões em torno das motivações do império brasileiro para assiná-la, historiadores debatem sua real efetividade, tendo em vista a ausência de políticas de assistência e reparação à população recém-liberta na época. Esse processo truncado ecoa até hoje, quando encontramos cada vez mais casos de trabalhos análogos à escravidão.

De acordo com o Artigo 149 do Código Penal, o trabalho análogo ao escravo é definido como aquele em que seres humanos estão submetidos a trabalhos forçados, jornadas tão intensas que podem causar danos físicos, condições degradantes e restrição de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto. A pena se agrava quando o crime for cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

“A lei penal é bem taxativa quando descreve as hipóteses. O importante é ver se há limitação de liberdade do trabalhador, seja pela retenção de documentos ou por contrair dívidas impagáveis com o empregador, de forma que ele não tenha a liberdade de simplesmente decidir que não quer mais trabalhar”, explicou a juíza Mirella D'arc de Melo Cahú Arcoverde de Souza, gestora regional do Programa Trabalho Seguro. 

O processo que levou à abolição da escravatura por aqui no século XIX contou com a manifestação pública de escravizados e homens e mulheres negros libertos, que trouxeram o assunto para a esfera pública do debate. No entanto, a razão pela qual o Brasil foi o último país das Américas a decidir desinstitucionalizar a prática se deu por questões bem mais práticas e mercadológicas, já que a escravidão ameaçava e atravancava o novo modelo apresentado pela Revolução Industrial, defendido pela Inglaterra, a maior potência do mundo na época.

Por conta desse processo, escravidão e exploração da força de trabalho seguem como uma ferida aberta da sociedade brasileira, atingindo especialmente a população pobre e negra. De acordo com um levantamento realizado pela Repórter Brasil, a cada cinco trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão entre 2016 e 2018, quatro são negros. Pretos e pardos representam 82% dos 2,4 mil trabalhadores que receberam seguro-desemprego após resgate. 

Entre os negros resgatados estão principalmente homens (91%), jovens de 15 a 29 anos (40%) e nascidos em estados do Nordeste (46%). Os dados que basearam o levantamento foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho. “Isso é um reflexo do passado escravocrata do Brasil, que continua presente no Brasil de hoje”, pontuou a juíza Mirella Cahú.

Para a gestora regional do Programa Trabalho Seguro, a perpetuação deste quadro não será quebrada de maneira orgânica, é preciso de ações contundentes. “Negros, especialmente mulheres negras, ainda são mais escravizadas no trabalho doméstico, por exemplo. A perpetuação tem relação direta com a história dessas pessoas, que reproduzem ciclos de violência e de precariedade, colocadas em segmentos segregados da sociedade. Essa realidade se perpetua em exclusão econômica e social. Se não for promovida uma política pública afirmativa para mudança da realidade dessas minorias, nada acontece”, completou.

Trabalho escravo em todo lugar

Quando pensamos em trabalhadores forçados a exercerem atividades extenuantes com o mínimo ou nenhum retorno, é comum geolocalizarmos esses eventos no ambiente rural. Sim, de fato, há inúmeros casos em que o isolamento e a distância de grandes centros urbanos facilitam o caso. Um exemplo disso está retratado no filme brasileiro “Pureza”, de Renato Barbieri, que estreia no dia 19 de maio nos cinemas.

Baseado na história real de Pureza Lopes Loyola, o filme segue uma mãe desesperada em busca de seu filho, desaparecido na Amazônia após conseguir um emprego de garimpeiro. Nessa jornada para encontrá-lo, ela se depara com um sistema de aliciamento e cárcere de trabalhadores rurais, presenciando o tratamento brutal e desumano dado a eles, além de testemunhar desmatamento florestal ilegal.

Esses casos são importantes e devem receber ainda mais atenção da sociedade, mas a juíza Mirella Cahú salienta um aspecto ainda pouco abordado e tão nefasto quanto: o trabalho escravo doméstico nos grandes centros urbanos. “São pessoas que estão em situação de miserabilidade, colocadas em ambientes domésticos desde muito cedo para ‘brincar com as crianças’, são tratadas ‘como se fossem da família’, mas acabam realizando trabalho doméstico durante a vida inteira sem sequer receber pagamento, pois teriam comida e teto garantidos, como se isso compensasse pelo trabalho realizado”, exemplificou a gestora regional do Programa Trabalho Seguro.

Não são poucos os casos recentes. Aqui na Paraíba, como notíciado pelo portal do Ministério Público do Trabalho da Paraíba (MPT-PB), tivemos este ano o caso de uma trabalhadora doméstica de 57 anos em Campina Grande, resgatada após 39 anos de trabalho análogo à escravidão, chegando a exercer atividades intensas como o cuidado de 100 cães na residência em que trabalhava, sem o repouso necessário, uma vez que trabalhava de domingo a domingo, em uma jornada de trabalho de aproximadamente 16 horas por dia. Ainda que recebesse salário e outros benefícios do trabalhador, a jornada de trabalho e as condições insalubres de trabalho fizeram seu caso ser caracterizado como análogo à escravidão.

Um caso ainda mais gritante foi revelado também este ano, no Rio de Janeiro. Uma idosa foi resgatada há cerca de dois meses e é considerada pelo Ministério do Trabalho como o caso mais longo de situação análoga à escravidão registrada no Brasil, pois passou 72 anos em situação de exploração. No mês passado, o caso de outra idosa, resgatada em 2021 em Lauro de Freitas, na Bahia, viralizou nas redes sociais ao mostrá-la receosa ao tocar nas mãos da repórter que a entrevistava para uma TV local por serem mãos de uma mulher branca. Madalena Santiago da Silva, de 62 anos, passou 54 anos de sua vida submetida a condições análogas à escravidão.

“Quando você insere uma criança ou uma adolescente em uma situação dessas, é muito difícil que ela consiga romper este ciclo por conta própria”, evidenciou Mirella Cahú. A juíza apontou que diversos casos de pessoas resgatadas nesta situação acabam apresentando comportamento infantilizado. “Elas acabam interrompendo o desenvolvimento psicológico e social no momento em que passam a serem submetidas a este tipo de situação, causando um dano imenso”, completou.

Denuncie!

Existem alguns canais disponibilizados para a denúncia de trabalho análogo à escravidão. No âmbito do Governo Federal, o canal para registro é o Sistema Ipê, disponível em https://ipe.sit.trabalho.gov.br/#!/. As denúncias podem ser feitas anonimamente e o interessado em denunciar deverá inserir o maior número de informações possível para que a fiscalização do trabalho possa analisar os indicadores de trabalho análogo ao de escravo e promover as verificações no local.

O Ministério Público do Trabalho da Paraíba (MPT-PB) também fornece seus canais de contato para receber denúncias. A população pode realizar as denúncias pelo endereço eletrônico http://www.prt13.mpt.mp.br/servicos/denuncias ou pelo aplicativo MPT Pardal, disponível para sistemas An­droid e iOS. Caso haja alguma dúvida, é possível ligar para a sede do MPT-PB  em João Pessoa, pelo número (83) 3612-3100, ou do MPT em Campina Grande, em (83) 3344-4650, com aten­dimento de segunda a sexta, das 8h às 12h.

André Luiz Maia
Assessoria de Comunicação Social TRT-13