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“Há muito a se pensar e agir, principalmente para se construir uma sociedade justa, que busque erradicar a pobreza”, afirma primeiro negro a ser ministro do TST

Ministro Reis de Paula concede entrevista exclusiva ao TRT-13
publicado: 16/11/2021 12h11 última modificação: 19/11/2021 15h02

O dia 25 de junho de 1998 representa um marco para a história não só do Tribunal Superior do Trabalho, como também para a do magistrado Carlos Alberto Reis de Paula: ele foi o primeiro negro a ocupar o cargo de ministro do órgão. “Da minha posse, além da alegria de vários grupos negros que se fizeram presentes, lembro-me das palavras do ex-senador Abdias Nascimento: 'Se chegamos ao TST, podemos chegar mais longe'”, relatou o ministro, recordando, com carinho, da data.

Nesta entrevista concedida exclusivamente à ACS do Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região), o ministro Reis de Paula contou sobre a sua principal inspiração – seu pai –, a importância da educação para a sua vida e como foi atuar em ambientes historicamente pouco “habitados” por negros. Confira:

Pergunta: Como foi sua jornada até o Tribunal Superior do Trabalho (TST)?

Ministro Carlos Alberto Reis de Paula: A minha trajetória é prova de que um negro, quando é determinado e sonhador, consegue vencer barreira. Não estou falando de mim, mas de meu pai, José de Paula, negro, nascido em 1911, em Belo Horizonte, filho de negros, cujos avôs foram escravos. Pai, porteiro da Secretaria Estadual de Obras Públicas. Mãe, do lar, e prestadora de serviços domésticos. Ele foi o único negro a se formar em Agronomia na Universidade de Minas Gerais (atual UFMG) e um dos primeiros, no Brasil, para o que andava a pé do Bairro Santa Tereza (região suburbana à época) até o bairro Santo Antônio, do outro lado da cidade.

Para se manter, trabalhava na Imprensa Oficial, em serviço subalterno. Fez concurso para o Ministério da Agricultura, onde fez carreira. Com isto, e graças à presença decisiva de minha mãe, possibilitou aos filhos (cinco) estudarem em colégios particulares. Se não bastasse, em 1959, com 15 anos, tornei-me seminarista em Belo Horizonte, no Seminário Arquidiocesano de BH, onde fiz o curso médio, sendo três anos de Filosofia e dois de Teologia. Saí do Seminário, em 1965, faltando dois anos para me ordenar.

Sou, pois, um privilegiado por ser agraciado com ótima educação, o que me possibilitou, para ser objetivo, formar-me em direito em 1970, e me tornar juiz do trabalho em 1979, juiz do Regional em junho de 1993 e Ministro do TST em 1998.

Pergunta: No âmbito da JT, a discriminação racial no ambiente de trabalho, bem como outras práticas discriminatórias em decorrência da raça, acontecem?

Resposta: No ambiente em que trabalhei, como juiz de Primeiro e Segundo Grau e, depois, como ministro, o ambiente de trabalho não era contaminado com práticas racistas. Pode-se afirmar que havia poucos negros, tanto na magistratura como nos serviços prestados pela Justiça do Trabalho. Bem sabemos a razão, o que vem sendo enfrentado com ações positivas de reserva em concursos públicos, inclusive da magistratura, para negros que como tal se autodeclaram.

Outro é o enfoque no trabalho dos que eram os nossos jurisdicionados, em que a busca do desenvolvimento econômico, sempre em uma linha capitalista neoliberal, nunca teve uma preocupação com a promoção social dos negros, com os salários mais baixos, os empregos de menor prestígio, para não dizer os subalternos, bem como remetidos à informalidade e ao desemprego.

Pergunta: É difícil julgar casos relacionados à discriminação e por quê?

Resposta: Atuar na Justiça do Trabalho tem um apelo diferente. A própria natureza do Direito do Trabalho, que objetiva o máximo possível o equilíbrio entre forças díspares, sendo o trabalhador o lado mais fraco, é um desafio para que agucemos a nossa sensibilidade. Julgar é muito difícil, e há de se assegurar o direito às partes. Não se pode, todavia, se esquecer de que, diferentemente do que ocorre no Direito Civil, em que em tese as partes são iguais, no Direito do Trabalho as partes são desiguais, sobretudo do ponto de vista de condição e necessidade de vida. Isto não quer dizer que não haja casos de reclamatória em que de um lado há um pobre e do outro um miserável. É o Brasil de hoje.

Pergunta: Em relação ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, há o que comemorar, na sua opinião?

Resposta: Zumbi dos Palmares, celebrado no próximo dia 20, Dia da Consciência Negra, deve ser um dia de reflexão para a sociedade brasileira. Há pouco a se celebrar, a não ser de forma efusiva a consciência cada vez mais difundida entre os negros de seus valores, com os quais colaboram para uma sociedade que não pode continuar a marginalizá-los, sob pena de muito perder.

Há muito a se pensar, e agir, principalmente para se construir uma sociedade justa e solidária, que busque erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, como consagrado na nossa Constituição Federal. A partilha de bens e valores enriquece a todos, e à sociedade como um todo.


Celina Modesto
Assessoria de Comunicação Social TRT-13