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“Já pensou um morador de rua dentro do TRT? Eu que cheguei ao fundo do poço? Não dava para imaginar”, revela Ivanildo Nascimento, participante do Ruas que Falam

Conheça a história de vida de participantes do projeto conduzido pela Assessoria de Projetos Sociais do TRT-13, a Aspros
publicado: 05/03/2024 14h48 última modificação: 11/03/2024 11h05

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“Conheci muita gente nesses nove anos vivendo nas ruas e posso te dizer que ninguém está na rua porque quer”, a fala do participante do Ruas que Falam, Ivanildo Pereira Nascimento, 60 anos, mostra que a vivência nas ruas vai muito além das ideias preconcebidas sobre quem vive nessa situação. São histórias que comovem, histórias de perda, resistência e esperança. 

“Comecei a beber por volta dos meus 16 anos. Meu pai pedia para eu comprar uma dose para ele na bodega e, pela curiosidade, eu sempre bebia um pouquinho e por aí começou. Eu me viciei de um jeito tão grande que, de manhã, quando eu me levantava, se eu não tomasse um copo, eu ficava me tremendo. Aí perdi emprego, perdi família e fui parar nas ruas. O alcoolismo tira você da sociedade. Eu cheguei ao fundo do poço, bem lá no fundo mesmo. Hoje estou em recuperação e lutando para voltar à sociedade. Há três meses estou no Alcoólicos Anônimos (AA), sem beber, e pretendo seguir”.

O relato de Ivanildo Nascimento não é incomum. Segundo dados da Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, realizada nos anos de 2007 e 2008 (apesar de ser de 2008, é a pesquisa mais abrangente e completa que há), o alcoolismo e/ou uso de drogas é um dos motivos mais citados que levam as pessoas a morar nas ruas (35,5%), seguido de perda de emprego (29,8%) e conflitos familiares (29,1%).

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Os motivos que levam as pessoas a viver nas ruas não são isolados. É comum eles se correlacionarem, como no caso de Aginaldo Amador (Naldo), 47 anos. “Quando meu filho mais novo fez 20 anos, eu e minha esposa chegamos a conclusão de que era hora de se separar. Era um relacionamento muito conturbado. Foram 24 anos de casamento, então foi algo muito difícil. Tive depressão e decidi vir para João Pessoa, aqui eu arrumei emprego em um restaurante, aí tiveram coisas que não estavam certas que me fizeram pedir demissão. Ao invés de ir para casa refletir, eu fui para um bar, beber. Lá fui assaltado e levaram celular, documentos, perdi tudo. Isso tem uns 5 meses. Agora estou recomeçando, me preparando e creio que grandes coisas virão”.

Uma vida familiar conturbada e violenta, sem acolhimento e estrutura levam a uma quebra do vínculo familiar e a uma necessidade de fugir desses conflitos. O nível de abuso em casa é tão grande, que as ruas se tornam uma opção viável. “Minha mãe me largou e me deixou com meu pai quando eu tinha cinco anos. Convivi com 14 madrastas e tive uma infância muito carregada. Cheguei nas ruas com 14 anos. Decidi fugir de casa porque eu sofria muito, eu apanhava muito, era como um trabalho escravo: eu carregava água, lenha, e as responsabilidades dele (pai) eram passadas para mim”, conta Sérgio Barbosa Ventura, 50 anos, desses, mais de 30 vivendo em situação de rua.

Andréa Lopes (nome fictício para preservar a identidade da participante), 43 anos, conta que viveu nas ruas quando era adolescente, dos 12 aos 15 anos. “Fugi de casa porque minha tia batia muito em mim, me deixou trancada no banheiro. Ela não foi atrás de mim, se fosse mãe de verdade, se me tivesse como uma filha, ela iria atrás, mas não foi. Aí eu fiquei dormindo na rua, conheci novas amizades que me botaram para cheirar cola”. Andréa Lopes foi acolhida por uma tia, mas, durante sua vida, passou por várias situações de abandono e abusos. Hoje, ela faz tratamento para depressão e vive há dois anos em uma casa de acolhimento. 

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Ruas que falam de esperança, vozes que ouvem potencialidades

Os participantes do Ruas que Falam encontraram no projeto conduzido pela Aspros (Assessoria de Projetos Sociais e Promoção dos Direitos Humanos), do TRT-13, um espaço de diálogo, acolhimento, reflexão, além do orgulho de se sentir parte do Tribunal. “Esse projeto foi uma coisa que me deu uma luz no fim do túnel. É uma chance que você tem que abraçar. É uma chance única! Já pensou um morador de rua dentro do TRT? Eu que cheguei ao fundo do poço? Não dava para imaginar essa possibilidade. E eu espero que esse projeto nunca acabe!”, destacou Ivanildo Nascimento.

O grande diferencial do Ruas que Falam é não pretender ser um projeto assistencialista. Por meio de uma prática acolhedora fundamentada na ética do cuidado, a iniciativa promove a aproximação entre o Tribunal e a população em situação de rua. Ao lidar com um público em extrema situação de vulnerabilidade, o TRT-13 pretende contribuir para a reinserção social desse segmento, proporcionando cidadania e acesso à justiça. “O projeto estimula a mente e estimula o trabalho para a gente conseguir seguir em frente", frisou Andréa Lopes.

O projeto traz uma troca de conhecimento tão grande, de valorização dos participantes, que muitos já se ofereceram para atuar na iniciativa. “Eu amo quando eu venho para o Ruas que Falam. Até já me ofereci para ser voluntário quando tiver as ações. Eu quero estar envolvido nas atividades”, comentou Sérgio Ventura.

“Como eu tenho conhecimento, eu vejo que eu posso estar agregando, ajudando em alguma coisa. Aqui é uma troca, é Ruas que Falam, então eu posso falar também sobre a minha experiência Na área de gastronomia eu tenho um alto conhecimento porque eu trabalhei e estudei para isso. E eu acredito que o Ruas que Falam é o suporte que eu precisava”, comentou Aginaldo Amador, que já planeja ter o seu próprio restaurante e lançar um livro contando a sua história.

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Renata Santos
Assessoria de Comunicação Social TRT-13