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Com mais de 2,5 mil trabalhadores resgatados em 2022, escravidão contemporânea segue arregimentando brasileiros

TRT-13 promove evento alusivo ao Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo no dia 3 de fevereiro
publicado: 28/01/2023 10h00 última modificação: 30/01/2023 08h43

O passado que, infelizmente, nunca se foi. É esse o pensamento que surge a cada notícia de resgate de trabalhador ou trabalhadora encontrada em situação análoga a de escravidão, seja na zona rural ou urbana. Dados do Ministério do Trabalho e Previdência revelam que, somente em 2022, pelo menos 2.575 trabalhadores foram resgatados dessas condições em todo o Brasil – demonstrando a importância de combater este crime que ainda assombra a sociedade.

Na próxima sexta-feira (3), a partir das 9h, o Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região) promoverá um evento alusivo ao Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, lembrado neste sábado (28). O momento contará com a exibição de um vídeo institucional e do filme ‘Pureza’, do diretor Renato Barbieri. Na sequência, haverá um debate que terá a participação do cineasta e da ativista Pureza Loyola, cuja história é retratada no longa.

O evento será realizado no auditório do Tribunal Pleno e as inscrições já estão abertas, tanto para servidores e magistrados (aqui), quanto para o público externo (aqui). Ainda como forma de lembrar a data, haverá a exposição “Kolofé – um caminho de expansão afrocultural”, do artista visual Elioenai Gomes. Até o dia do evento, ainda será possível contribuir com a campanha de arrecadação de alimentos para o povo Yanomani, feita pelo TRT-13 em parceria com a Central Única das Favelas (Cufa). São aceitos alimentos não-perecíveis, que podem ser doados no ponto de coleta instalado no edifício-sede do Tribunal.

Perfil dos resgatados

Das pessoas resgatadas em 2022, segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, 92% eram homens, sendo que 29% deles tinham entre 30 e 39 anos. Além disso, 51% residiam no Nordeste e outros 58% eram naturais desta região. O perfil aponta, também, que 83% deles se autodeclararam negros ou pardos, 15% brancos e 2% indígenas.

Quanto ao grau de instrução, 23% deles declararam ter estudado até o 5º ano incompleto e outros 20% haviam cursado do 6º ao 9º ano incompletos. Ainda, 7% dos trabalhadores resgatados se declararam analfabetos. Considerando o período de 1995 a 2021, foram resgatados mais de 57 mil trabalhadores nestas condições em território brasileiro.

Mas, o que é trabalho escravo contemporâneo?

O trabalho análogo ao de escravo é um crime previsto no artigo 149 do Código Penal brasileiro e que pode render ao empregador uma pena privativa de liberdade de dois a oito anos. A vice-procuradora chefe do Ministério Público do Trabalho da Paraíba, Marcela Asfóra, descreveu as situações que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo.

“Servidão por dívida; trabalho forçado, a exemplo da restrição de liberdade de locomoção; jornada exaustiva; e trabalho degradante, que é quando os direitos básicos e mínimos de saúde e segurança não são garantidos. Uma portaria do Ministério do Trabalho entende como sendo desde as condições do ambiente do trabalho, a exemplo de alojamento indigno, não ter água potável ou instalação sanitária, até não ter direitos básicos, como pagamento de salário”, explicou.

A vice-procuradora chefe enfatizou que, atualmente, uma das preocupações é a ocorrência da escravidão contemporânea em zonas urbanas, atingindo, principalmente, migrantes. No ano passado, segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, 148 trabalhadores resgatados eram migrantes de outros países, o dobro em relação a 2021. Foram encontrados 101 paraguaios, 25 bolivianos, 14 venezuelanos, quatro haitianos e quatro argentinos.

“São pessoas encontradas tanto na confecção quanto na construção civil. Outra questão que vem surgindo mais é a das trabalhadoras domésticas, embora ainda seja um tanto invisível. Aquela situação anterior que víamos só na área rural também permeia a zona urbana”, analisou. Outra situação que provoca temor se relaciona com as formas de arregimentar essas pessoas para tal condição de trabalho. As redes sociais se mostram um lugar fértil para isso. “Por meio das redes sociais, homens e mulheres são contatadas e iludidas, acabando, na realidade, sendo vítimas de condição análoga ao de trabalho escravo”, acrescentou.

Poucos resgates na PB

De 1995 a 2021, de acordo com o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, 72 pessoas foram resgatadas da condição de trabalho análoga à de escravo na Paraíba. Enquanto isso, no mesmo período, 546 paraibanos foram encontrados sob esta condição fora do estado. Isso mostra, de forma clara, que o estado, mesmo possuindo casos de escravidão contemporânea, é mais ‘exportador’ desse tipo de ‘mão de obra’.

“Na Paraíba, o forte é, realmente, o fato de virem aqui e levarem esses trabalhadores a outros locais e estados brasileiros. Não temos uma situação epidêmica por sermos um estado pequeno, mas já foram detectados indícios de trabalho análogo ao de escravo em minas de caulim, próximo a Campina Grande, e em Junco do Seridó, por exemplo”, afirmou o vice-procurador regional do MPT, Eduardo Varandas.

Ações no TRT-13

Um levantamento feito pela Coordenadoria de Inteligência e Gestão Negocial do TRT-13 aponta que, de 2016 a 2022, não houve nenhuma decisão, tanto no primeiro quanto no segundo grau, reconhecendo a condição de ‘trabalho análogo à escravidão’. Ao todo, foram analisados 127 processos que citaram o tema, mas somente 51 pontuaram o fato na petição inicial e, destes, não foi reconhecida pelos magistrados a condição de trabalho análogo a escravo em nenhuma ação.

No entanto, o relatório mostra que o tema ‘condição degradante de trabalho’ foi encontrado em mais de 1.800 ações que foram julgadas no âmbito do Regional no mesmo período. Destas, foram analisadas individualmente, por amostragem, mais de 500 processos, identificando que, da amostra, apenas 90 processos tiveram decisão reconhecendo que houve, de fato, a condição degradante de trabalho. A condição degradante de trabalho se caracteriza por qualquer forma de negação da dignidade humana pela violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho.

O presidente do Regional, desembargador Thiago Andrade, destacou a importância de haver uma rede de inteligência que acompanhe os casos de pós-resgate, de modo a garantir que a vítima não caia, novamente, na situação de escravidão contemporânea. “Se não tem emprego, eles voltam. Muitas vezes, as vítimas nem sabem o que é trabalho escravo e não têm noção porque não é uma situação de violência, mas de meio ambiente mesmo. Neste sentido, uma rede de inteligência evita que as pessoas saiam sem saber o que é trabalho escravo e quais são seus direitos. É um trabalho que deve ser feito previamente e, aos que retornam, o de proteção, para que eles não reincidam”, avaliou.

Para a vice-procuradora chefe do MPT-PB, Marcela Asfóra, a atuação dos órgãos de fiscalização no combate ao trabalho análogo ao de escravo é essencial não só para o trabalhador resgatado e para a sociedade, mas também para a própria ordem econômica. “Considerando que, a partir do momento em que a exploração desse trabalhador ocorre sem formalização e atenção às regras trabalhistas, o produto oriundo desse trabalho terá custo menor. Então, quem observa a legislação é prejudicado pela concorrência desleal. Essa luta tem o viés de proteção do trabalhador, da sociedade e de quem trabalha corretamente”, enfatizou.

Como denunciar

Denunciar uma situação de trabalho escravo contemporâneo pode ser feito por qualquer cidadão de maneira sigilosa. Basta acessar a página do MPT na internet ou ligar para o Disque 100.

A data

O dia 28 de janeiro foi escolhido como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo em homenagem aos auditores fiscais do Trabalho Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e ao motorista Aílton Pereira de Oliveira, mortos em ação no ano de 2004, episódio que ficou conhecido como Chacina de Unaí. Na época, Nelson Silva era lotado na Gerência Regional do Trabalho de Paracatu/MG e os outros três servidores na Superintendência Regional do Trabalho/MG, em Belo Horizonte.

Celina Modesto
Assessoria de Comunicação Social do TRT-13