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Dia da Igualdade Feminina: os preconceitos que ainda existem em torno da mulher no mercado de trabalho
A luta pela igualdade entre gêneros é uma questão de longa data. Os avanços que as mulheres fizeram em pouco tempo são inegáveis, ainda mais quando lembramos que direitos básicos como o de poder trabalhar sem depender da anuência do pai ou do marido ou mesmo de poder votar e se candidatar a cargos públicos foram conquistados a menos de 100 anos. Entretanto, ainda é preciso dar mais passos adiante na busca por igualdade.
O dia 26 agosto é marcado pela luta da igualdade de gênero, marcado pelo Dia Internacional da Igualdade Feminina. A data faz referência ao dia 26 de agosto de 1920, quando as mulheres dos Estados Unidos conquistaram o direito ao voto, algo que só chegou ao Brasil em 1934 e só se tornou obrigatório, assim como masculino, em 1946. De lá para cá, elas passaram a ocupar mais espaços e a ter mais voz.
Para a juíza do trabalho e coordenadora do Comitê Gestor da Igualdade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT-13, Ana Paula Porto, os avanços são notórios em um período curto. “Com a Revolução Industrial, aconteceu a intensificação da mão de obra operária feminina, barata, precária e em jornada desumana. A disparidade em relação aos trabalhadores do gênero masculino era gritante. Com o decorrer dos movimentos sociais, as mulheres conquistaram direitos trabalhistas, como limitação da jornada de trabalho, igualdade salarial, licença à gestante, garantia do emprego, dentre outros”, elencou.
Mesmo assim, este é um assunto que está longe de ser superado. Qual é o cenário que as mulheres encontram hoje no mercado de trabalho? Um dos aspectos que mostram a disparidade que ainda existe entre homens e mulheres é a diferença salarial. Em um estudo promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2020 em mais de 100 países, foi atestado que homens recebem salários 14% maiores que os das mulheres.
Esta, no entanto, é apenas a ponta do iceberg. Os cargos de liderança ocupados a mulheres ainda são poucos, em uma média de 25%, mas às vezes não há nenhuma delas ocupando posições que realmente influem no andamento das corporações e instituições. Ao fazer o recorte e pensarmos nas mulheres negras, o percentual cai para um percentual ainda mais alarmante, 8%.
“A legislação proíbe diferença de salários, de funções ou de contratação por razões de gênero, idade, cor ou estado civil. Ainda assim, o mercado de trabalho internaliza o comportamento aceito na sociedade de que há, por exemplo, profissões afeitas aos homens, enquanto que outras seriam inerentes à condição feminina, reforçando visão estereotipada da divisão sexual do trabalho. Por outro lado, persiste déficit na ocupação dos cargos de liderança, de gerência e de chefia pelas mulheres, reforçando a percepção de que não basta uma legislação moderna, sem que com ela se transformem os padrões de comportamento sociais”, completou Ana Paula Porto.
Em uma sociedade com trabalhadores em situação de precarização, as trabalhadoras mulheres acabam enfrentando situações de dupla ou até mesmo tripla jornada, quando incluímos os afazeres domésticos, historicamente atribuídos às mulheres. “O percorrer da história mostra que o espaço público era reservado aos homens e que às mulheres restava a ocupação dos espaços privados de seus lares, consolidando mecanismos de não apenas calar a sua voz, mas de neutralizar a sua ação, excluindo-as do processo político, deslegitimando a ordem jurídica. É preciso ressignificar a democracia, permitindo e capacitando as mulheres para participação do debate político e para a tomada das decisões”, enfatizou a juíza do trabalho.
A mulher e as profissões
Por conta desta estrutura de sociedade, por muito tempo foi destinado às mulheres no mercado de trabalho o papel de servidão e de cuidadoras, excluindo do processo as que tentavam galgar uma carreira nas áreas de exatas ou que requisitavam esforço físico.
Uma pesquisa realizada em 2015 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) listou as carreiras preferidas por homens e por mulheres no Brasil, a partir do número de pessoas matriculadas no ensino superior. Profissões como barman, bombeiro, motorista, serralheiro e auxiliar de produção apresentavam baixíssima representatividade feminina.
A condutora socorrista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) João Pessoa, Elisângela de Souza é o exemplo de uma mulher que convive em um ambiente predominantemente masculino, sendo a única motorista mulher a conduzir ambulâncias de emergência na capital paraibana. Atualmente com 49 anos, Elisângela começou a trabalhar aos 16 anos de idade e já exerceu diversas atividades, desde salão de beleza, bingo 24 horas, escritório imobiliário e escola pública.
Aliás, esta não é a primeira vez que Elisângela ocupa uma posição geralmente atribuída a figuras masculinas.“Eu trabalhei na prefeitura por 16 anos, primeiro como inspetora de ônibus escolar, depois como inspetora na própria escola. Com o tempo, por conta do meu biotipo e da minha cara mais séria, fui colocada para ficar na portaria da escola. Era uma situação complicada, pois sempre tinha alguém tentando me enfrentar, me intimidar. Chegaram a riscar meu carro”, relatou.
- Condutora socorrista do Samu, Elisângela de Souza
Enquanto trabalhava como inspetora à noite, em uma escola no bairro Costa e Silva, Elisângela fazia aulas de direção para dirigir veículos de maior porte, em um desejo de mudar o rumo de sua carreira. Após o esforço árduo, que passou também por diversos cursos e capacitações, inclusive de primeiros socorros, ela conseguiu, enfim, fazer uma mudança de carreira, se tornando motorista da prefeitura.
Havia carência de motoristas de categoria D e, antes de chegar ao SAMU, ela passou a dirigir ônibus escolares, em um retorno a um ambiente que já lhe era familiar, mas agora na posição de condutora. “Nesse trâmite todo, demorou uns cinco anos até eu conseguir chegar até ao SAMU. Levei meu currículo, com todos os cursos que fiz e depois recebi a ligação do RH, me chamando. Não sabia se eu gritava, se eu chorava, era algo que eu queria muito”, lembrou.
Era a realização de um sonho, mas que logo se revelaria um caminho cheio de desafios, que iam além da demonstração de competência em seu ofício. Porém, antes de seguirmos com sua história, apresentamos outra mulher que percebeu a transformação da área em que trabalhava pouco a pouco.
Liderança feminina
A engenheira civil Bruna Siegenes atualmente trabalha como gestora de obras em uma incorporadora de João Pessoa, integrando um corpo técnico formado apenas por mulheres. Este cenário, incomum na época em que Bruna começou a trabalhar na área, em 2008, se apresenta como um reflexo das transformações que as discussões sobre igualdade de gênero e diversidade promoveram no mercado de trabalho.
Bruna Siegenes acabou seguindo um exemplo familiar ao entrar no campo da engenharia. “Optei por entrar na área de engenharia civil por conta do meu avô, que era mestre de obras. Acabei tendo que fazer minha escolha profissional bem cedo, aos 16 anos, mas me sinto realizada”, salientou. Ela afirmou que sentiu de fato uma certa distinção entre gêneros após entrar no mercado de trabalho. “Na universidade, por incrível que pareça, era bem mais equilibrado já naquela época em que eu estudava, muitas mulheres optando por esta área. Hoje, em 2022, percebo que está mais fácil vê-las ocupando espaços no mercado”, complementou a engenheira.
Na empresa em que ela trabalha, são 12 mulheres liderando equipes compostas apenas por homens. “Tenho assistentes mulheres, gente da administração, mas meu mestre de obras e meu almoxarife é todo composto por homens”. Na opinião de Bruna, a liderança feminina faz diferença no resultado. “Existem construtoras aqui no mercado que ainda preferem ter seu corpo técnico apenas composto por homens, mas acho que é só ver o que fazemos aqui que dá para notar a nossa competência. O zelo, o cuidado, a limpeza, os detalhes no acabamento, a conferência do serviço, tudo isso é um diferencial. Temos engenheiros homens competentes que estão atentos a esses pormenores, mas percebo que existe um apuro maior nas obras geridas por mulheres”, defendeu.
Desafios a serem superados
Quando se fala de igualdade, diversidade e inclusão, é preciso prestar atenção. Obviamente, estruturas equipes com as mais diferentes cores, gêneros, sexualidades, enfim, vivências é algo louvável e uma questão fundamental, mas pouco adianta este movimento se os ambientes de trabalho ainda são permeados por olhares enviesados e com ideias pré-concebidas, especialmente no que diz respeito ao gênero.
- Engenheira civil, Bruna Siegenes
Bruna Siegenes percebeu logo no início da carreira as limitações que lhe eram impostas, mesmo quando estava hierarquicamente em posições superiores. “Eu lembro de fazer alguma solicitação e aquilo não ser bem recebido pelo fato de eu ser mulher e por ser mais nova. As vezes em que aconteceram, tive que recorrer a todo o conhecimento técnico que eu tinha para mostrar que o que eu havia pedido fazia sentido. Só assim eu consegui fazer algumas pessoas mudarem a visão que elas tinham de mim”
A condutora do SAMU, Elisângela de Souza, traz um relato a respeito do assunto que ilustra a situação. “Desde a época da escola, na portaria, eu sentia que havia uma intimidação por eu ser quem eu sou, mulher e lésbica. Algumas pessoas não respeitavam minha autoridade. Quando comecei a dirigir ônibus, também tiveram alguns casos de pessoas que duvidavam da minha capacidade de conduzir um veículo daqueles, fazer as manobras. Eu só não sou piloto de avião porque não gosto de altura. Se não fosse isso, meu amor, eu já estava lá em cima”, brincou Elisângela.
Ela tenta buscar alguma leveza para poder lidar com a rotina, que é repleta de desafios. Como se não bastasse a profissão, que lida com adrenalina e tensão constante ao lidar com vidas humanas e risco de morte constante dos pacientes resgatados em acidentes, o ambiente de trabalho ainda se mostrou particularmente hostil ao chegar no SAMU. “Era a realização de um grande sonho, mas logo que cheguei aqui, ouvi uma frase que bateu de uma forma estranha. Ouvi que eu não teria ‘regalias’ por ser mulher. Eu nunca quis regalias, eu tô aqui para trabalhar. Eu tento, se eu não conseguir, eu peço ajuda e isso não é defeito, qualquer um deve fazer isso, homem ou mulher”, argumentou a condutora.
Na área da engenharia, Bruna Siegenes vê transformações no que tange a questão salarial, mas afirma ter consciência de que há certas questões a serem superadas quando se diz respeito às mulheres no mercado de trabalho. “Já ouvi histórias de incorporadoras que não contratam mulheres porque nós engravidamos, tiramos licença, nos ausentamos do trabalho por conta disso. É um pensamento de mente pequena”, enfatizou.
Elisângela também percebe essa lacuna. “Quando eu penso em tudo o que vi e vivi de lá para cá, percebo mudanças, ainda que pequenas. Só que ainda parece que existe aquele ranço de que ‘mulher não pode’ e eu percebo que a gente não pode depender da boa vontade dos outros para mudar esta situação, a gente que faz essa transformação todo dia. Só de eu estar aqui até hoje, depois de três anos, já é alguma coisa”, completou a condutora de ambulâncias do SAMU.
“Só com a integração da mulher aos espaços públicos, às esferas de poder, será possível restabelecer o desequilíbrio de gênero e quebrar o sistema de dominação masculina”, apontou a coordenadora do Comitê Gestor da Igualdade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT-13, Ana Paula Porto.
André Luiz Maia
Assessoria de Comunicação Social TRT-13