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Dia Internacional do Trabalho Doméstico: invisibilidade e luta por consolidação dos direitos
O trabalho doméstico exerce papel fundamental na vida de toda a sociedade. Muitas vezes, o sol não nasceu e milhões de mulheres e homens já estão saindo de suas casas, rumo às residências de outras famílias. Preparam o café, organizam os quartos, salas, banheiros, cuidam de crianças e idosos. Silenciosamente, sustentam a rotina de trabalho e afeto que mantém casas e comunidades em pleno funcionamento.
Sem o trabalho doméstico oferecido por profissionais, mães e pais teriam de abrir mão de empregos formais e cuidarem dos afazeres do lar e do cuidado com crianças e idosos, mudando drasticamente a rotina de milhões de famílias brasileiras. Apesar de ser parte essencial desta engrenagem, os trabalhadores domésticos, especialmente no Brasil, enfrentam longas jornadas, baixos salários e pouca ou nenhuma proteção social.
Em 1988, durante o 1º Congresso de Trabalhadoras Domésticas da América Latina e do Caribe, realizado na Colômbia, foi oficializado o caráter simbólico de 22 de julho como marco da luta por condições de trabalho mais justas para a categoria na região. Quase quatro décadas depois, podemos observar alguns avanços significativos, mas que ainda ficam bem atrás do ideal.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílio (Pnad) de dezembro de 2023, o Brasil tem 6,08 milhões de empregados domésticos em atividade. Aqui, são consideradas todas as pessoas que prestam serviços em residências, como doméstica, jardineiro, motorista, mordomo, etc. O gênero é um marcador importante aqui, pois 91,1% destes trabalhadores são mulheres, enquanto os homens não chegam a 10% deste quantitativo (8,9%).
Os dados da Pnad mostram ainda que a grande maioria são mulheres negras, com média de idade de 49 anos e apenas 1/3 têm carteira assinada, recebendo em média um salário-mínimo. Outros direitos, no entanto, demoraram muito tempo para serem reconhecidos, e mesmo assim, com distorções. “A Constituição de 1988 reconheceu e equiparou todos os direitos para os trabalhadores urbanos e rurais, mas não estenderam esse direito aos empregados domésticos. Isso só veio a acontecer agora, em 2013, com uma PEC que ficou conhecida como PEC das Domésticas”, enfatizou a desembargadora-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região), Herminegilda Leite Machado.
Mesmo assim, alguns dos direitos só foram regulamentados dois anos após, por meio da Lei Complementar nº 150/2015. Para se ter ideia, foi só a partir deste complemento que trabalhadores domésticos passaram a ter direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao seguro-desemprego, além de passar a ter regulamentados vários outros benefícios já garantidos à maioria da classe trabalhadora regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como auxílio-creche, salário-família, adicional noturno, indenização por demissão sem justa causa e pagamento de horas extras.
A presidente do TRT-PB, Herminegilda Leite Machado, no entanto, chama a atenção para estas garantias, que, mesmo hoje, em 2025, ainda revelam abismos sociais. “A PEC e a Lei Complementar estende todos os direitos que os empregados urbanos têm aos domésticos, mas com algumas distinções. O FGTS não está na mesma proporcionalidade, por exemplo. Enquanto o percentual para empregados urbanos e rurais é de 8%, que deve ser depositado mês a mês pelo empregador, o percentual para trabalhadores domésticos, salvo engano, é de 2% a 3%. Ainda há uma luta em andamento por esta equiparação”, salientou a desembargadora.
Por que um trabalho tão fundamental como o doméstico demorou tanto tempo para ter direitos básicos reconhecidos? A História pode nos ajudar a entender esta lacuna. Preconceitos de gênero e raça enraizados na sociedade brasileira afetaram esta classe trabalhadora, composta em sua maioria por mulheres negras e periféricas. Informalidade e ausência de fiscalização mantêm milhões sem carteira assinada, afastados de direitos básicos como férias e FGTS.
“Até muito pouco tempo, menos de 150 anos, houve a libertação das pessoas escravizadas. No entanto, elas foram alforriadas, mas não houve nenhuma política pública para absorver essa mão de obra. De certa forma, principalmente as mulheres, continuaram servindo nas casas de seus antigos senhores, ganhando alimento em troca de trabalho, o que perpetuou a precarização do vínculo empregatício”, exemplificou a desembargadora-presidente do TRT-PB.
O problema da informalidade se estende até os dias de hoje e implica não apenas no bem-estar da força de trabalho ativa, mas também no seu futuro. “Quando não se registra o contrato na carteira, também não se recolhe previdência, e aí isso traz um reflexo muito grande para essas pessoas porque, se elas adoecem, se elas sofrem um acidente, elas não têm nenhum amparo previdenciário para sobreviver durante esse período da doença. E, quando chega o tempo de se aposentar, não há aquele recolhimento que deveria ter sido feito ao longo do tempo, ou seja, isso é bastante nocivo para essa categoria”, ressaltou.
Colocar o trabalho doméstico sob os holofotes é mais do que reparar uma injustiça: é reconhecer o valor econômico e humano dessas profissões, exigir políticas públicas de proteção e transformar olhares que ainda insistem em tratar o cuidado como algo natural, gratuito e dispensável.
André Luiz Maia
Assessoria de Comunicação Social do TRT-PB
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